Casa de ferreiro, espeto de pau. Os membros do Ministério Público do Rio Grande do Norte são credores de uma verdadeira fortuna (R$ 140 milhões em valores parcialmente atualizados). Promotores e procuradores de Justiça recebem uma verbinha extra mensal decorrente do que se convencionou chamar de Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), conhecida pejorativamente como “auxílio-paletó”. Nada de novo, a exemplo do que também foi pago (ou vem sendo pago) aos magistrados estaduais, aos conselheiros do Tribunal de Contas, aos procuradores da Assembleia Legislativa e à Procuradoria Geral do Estado, cujos procuradores começariam a receber em janeiro deste ano, informação não confirmada. O fato novo é o tamanho da conta que onera o Tesouro Estadual e, para espanto da maioria do funcionalismo público, corrigida mensalmente. Resumo da ópera: ganharam um salário extra sem lei que sustente sua legalidade e ainda impõem a atualização monetária. Este assunto – e esta despesa pública – é tratado há muito tempo sem a menor transparência. A dívida é legal? É legítima? É constitucional? É matéria prescrita? Se o passivo deve ser corrigido, qual a metodologia de cálculo padrão e qual o dispositivo legal que autoriza essa atualização? A verba é indenizatória ou remuneratória? Recolhe-se Previdência Social e Imposto de Renda? A resposta à maioria dos questionamentos é um sonoro não.
Comenta-se que o barulho é tão grande que acordou o “Leão” da Receita Federal, que já teria notificado esses privilegiados de todos os órgãos e poderes. Não há auditoria neste Estado que consiga descobrir quanto foi pago e quando será quitado esse passivo que humilha a extraordinária maioria dos servidores públicos do Rio Grande do Norte, de todos os órgãos e poderes. Pelo menos é o que se pode extrair de um memorando datado de 11 de março deste ano, cuja origem é o setor de folha de pagamento do Ministério Público e tendo como destino o Gabinete do Procurador Geral de Justiça, Manoel Onofre de Souza Neto. Assunto: “Atualização dos valores da Parcela Autônoma de Equivalência e da Diferença de Entrância de exercícios anteriores em favor dos Membros do MP/RN”. Antes de questionar se essas dívidas de exercícios anteriores foram ou não empenhadas, se há ou houve previsão orçamentária para tanto, cabe esclarecer que o tal memorando é uma espécie de carta de seguro do Setor de Folha de Pagamento, segundo o que consta no documento em poder portalnoar.com
Os valores teriam sido calculados no exercício de 2009, parcelados e não pagos (adimplidos), daí o questionamento dos responsáveis pela confecção da folha de pessoal: “Devemos proceder com a atualização dessas dívidas?”. Dois dias depois, a 13/03/2013, houve uma tentativa de demonstração de uma metodologia de cálculo para atualização monetária, caso a caso, conforme o passivo a receber por cada membro do MP – promotores e procuradores. Pelo valor histórico levantado, há quem começou com um crédito a receber em torno de R$ 70 mil – os mais jovens – e muitos na faixa de R$ 750 mil a quase R$ 1 milhão. Dizem alguns atuários ouvidos pela reportagem que a maioria já ultrapassa R$ 1 milhão, a partir da atualização dos valores. Com a lei da transparência, agora é possível consultar o sítio do MP/RN (http://www.mp.rn.gov.br) e observar que as parcelas, inicialmente de R$ 6 mil, depois R$ 10 mil, rompem, em abril último, a barreira dos R$ 40 mil.
Detalhe: pelo rendimento total líquido dos membros do MP publicado no Portal da Transparência, tudo indica que essas parcelas não sofreram incidência de Imposto de Renda e Previdência Social. Ou seja: a PAE continua sendo uma verba indenizatória e não remuneração. Nem houve retenção do teto constitucional. A folha de maio/2013 ainda não foi divulgada no Portal da Transparência. Talvez o pessoal tenha ficado assustado com a atualização monetária autorizada pelo procurador geral Manoel Onofre em despacho do dia 9 de abril: “Ao Setor de Folha de Pagamento paras as providências cabíveis”.
O TCU exige um parâmetro
Em meio à agonia dos responsáveis pela elaboração da folha de pagamento, nesse mesmo período – abril deste ano -, cai na mesa do Procurador Geral Manoel Onofre um ofício circular da Comissão de Controle Administrativo e Financeiro do Conselho Nacional do Ministério Público. Assunto: alertava que o Tribunal de Contas da União exigia um parâmetro no cálculo desses valores, e dava prazo de 15 dias para o MP/RN esclarecer como foram contabilizados esses valores e se a fórmula utilizada se assemelha à constante do Acórdão TCU nº 117/2013. Desde ali é possível observar o que aconteceu com os passivos da Justiça do Trabalho, pois o Conselho Superior da JT, por exemplo, de um montante levantado de R$ 2,49 bilhões, apurou que o novo valor era de R$ 1,28 bilhão, e não mais R$ 2,49 bi.
Só dúvidas
Uma prova de que o MP/RN leva a sério o ditado popular segundo o qual “se é devido, deve ser pago”, são as constantes consultas dos responsáveis pela confecção da folha de pessoal. Já em 16/09/2011 uma nova consulta deixaria qualquer promotor de início de carreira com vontade de mandar abrir um procedimento:
- Em relação aos pagamentos rotineiros… devem todos eles ser rigorosamente corrigidos, independentemente de pedido, se não pagos na data/mês em que surgirem a dívida?
- A partir de agora, as dívidas que surgirem deverão todas elas ser atualizadas por um único índice (capitalização da poupança)?
- A Procuradoria Geral de Justiça pagará sempre juros de mora em todos os processos?(Aqui o pessoal encaminha cópia de parecer de um processo da contribuição sindical).
- Como proceder com a atualização de dívidas já existentes, a exemplo dos processos da PAE (período de 1994 a 2002)?
Ainda quanto à Parcela Autônoma de Equivalência, eis essa preciosidade:
“Considerando que esta tem natureza remuneratória, as parcelas pagas dos ‘juros’ (isso mesmo, o autor da consulta tascou aspas nos juros) por indenização, livres de Imposto de Renda e Previdência, os beneficiados (promotores e procuradores) e a Procuradoria Geral de Justiça devem retificar as declarações de Imposto de Renda dos exercícios de 2010 e 2011?”. O tamanho dessa conta é um mistério, ninguém fala sobre o assunto e fica apenas uma conclusão: a situação do Tesouro Estadual é mais ou menos a daquele desavisado consumidor que estoura o cartão de crédito e fica pagando a parcela mínima mensalmente. Chegará o dia em que essa bomba vai estourar por absoluta incapacidade de quitação da monstruosa dívida. A propósito, em setembro do ano passado corria o boato, em tom de balão de ensaio, anunciando que a governadora Rosalba Ciarlini só conseguiria honrar o 13º salário do funcionalismo se suspendesse o pagamento do “mensalão do PAE”. O MP e o Tribunal de Justiça subiram o tom das pressões, e a parcela mensal foi paga. Pelo menos é o que consta da folha de novembro que está no Portal da Transparência. Percebe-se, então, o custo pesado para os cofres do Estado que já deve ultrapassar os R$ 150 milhões, dinheiro que, apesar da autonomia orçamentária do Ministério Público, sai dos cofres do Estado.
Como nasceu a PAE
A Parcela Autônoma de Equivalência foi instituída pelo Supremo Tribunal Federal em 1992, para nivelar, a partir de redistribuição, os vencimentos do Judiciário com os deputados federais. Até aquele momento o auxílio-moradia pago aos deputados não fazia parte dessa parcela, o que levou a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) a impetrar mandado de segurança no STF. O então ministro Nelson Jobim decidiu que o auxílio deveria integrar os cálculos da PAE. Na época, esse valor correspondia a R$ 3 mil. Com a decisão do Supremo foi armado o “gatilho”. O Governo Federal não passou recibo e ficou quieto. Afinal, pensou estar livre do efeito cascata. Livrou-se, é verdade de outras categorias de servidores não contempladas com esse acréscimo, mas não demorou e o direito àquela diferença salarial foi estendido para todos os magistrados federais e estaduais em exercício, bem como aposentados, gerando inquestionáveis direitos igualmente aos pensionistas. Na sequência, o “gatilho” alcançou parte das Assembleias Legislativas, os Tribunais de Contas estaduais, Procuradorias Gerais de Justiça e Procuradorias Gerais estaduais. Só uma coisa intriga os especialistas em Direito Administrativo ouvidos pelo portalnoar.com: se a Ação Originária nº 630-DF foi extinta em 16 de agosto de 2002, esta matéria não prescreveu? A “verba paletó” continua polêmica. E milionária.
Fonte: PORTAL NO AR
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