As propostas da presidente Dilma
aos governadores e prefeitos das capitais, ontem, tiveram o sabor das
meias-solas com que tempos atrás os sapateiros faziam a felicidade da classe
média. Começa que os convidados não puderam exprimir seus pontos de vista.
Limitaram-se a meros ouvintes de um discurso vago e fantasioso onde faltou o
principal, ou seja, como implementar mudanças e reformas apenas enunciadas.
Tome-se a principal referência,
transmitida em mera sugestão para o futuro: a convocação de uma Assembléia
Constituinte Exclusiva para realizar a reforma política. A chefe do governo
recomenda um plebiscito para o eleitorado decidir sobre uma
inconstitucionalidade, mas não define como e quanto essa consulta popular se
realizaria.
De imediato, quer dizer, com
imprescindíveis meses de preparação? Ou junto com as eleições gerais do ano que
vem?
Quem poderá candidatar-se? Os
atuais deputados e senadores que certamente disputarão a reeleição em 2014?
Aqueles que tiverem sido derrotados em pleitos anteriores, demonstrando a queda
de nível da representação? Ou haverá a possibilidade desse histriônico acúmulo
de funções? Constituintes exclusivos de manhã, parlamentares de tarde? Que tal
a discriminação elitista de poderem integrar a Constituinte Exclusiva apenas os
bacharéis em Direito? Os professores com livros publicados, mas será preciso
saber se suas edições não encalharam?
Mas tem mais. Muito mais.
Funcionando ao mesmo tempo, o Congresso e a Exclusiva poderão bater de f rente.
Se esta votar a proibição de doações particulares nas campanhas eleitorais e
aquele determinar a possibilidade de as empresas continuarem contribuindo para
os candidatos, presume-se que prevaleça a decisão dos exclusivos, mas se logo
depois ou ao mesmo tempo deputados e senadores utilizarem seu poder
constituinte derivado, cláusula pétrea da carta de 1988, que decisão
prevalecerá?
Quem convocará a Constituinte
Exclusiva? O próprio Congresso, caso o plebiscito se manifeste a favor? Mas se
a maioria parlamentar recusar-se a gerar esse filho espúrio, deverá o Executivo
sobrepor-se ao Legislativo, quem sabe através de um Ato Institucional? Quanto
ao Judiciário, na hipótese de conflito entre as duas instituições, reivindicará
o poder decisório?
Surgem outros obstáculos: onde se
reunirá a Assembléia Constituinte Exclusiva? Quantos integrantes terá? Se for
em Brasília, talvez no estádio Mané Garrincha, enquanto a Copa do Mundo de
Futebol não começar. Quem arcará com as despesas, quantos funcionários
trabalharão nela?
Em suma, a principal proposta da
presidente Dilma compõe uma farsa daquelas destinadas a enganar os trouxas.
Será uma reverência a mais que sucessora faz ao antecessor, porque essa idéia
absurda foi pela primeira vez levantada pelo Lula, anos atrás. Uma forma de
enxugar gelo e de ensacar fumaça, enganando não se sabe quem, porque a
juventude que foi e continua nas ruas quer a reforma política, ainda que
prefira educação e saúde mais eficientes, assim como efetivo combate à
corrupção.
Se fosse para promover a reforma
política, no entanto, ao contrário dessa enganação, bastaria a presidente
convocar ao seu gabinete os líderes e dirigentes dos partidos de sua base,
deixá-los a pão e água enquanto não se entendessem e chegar a um elenco de
mudanças político-eleitorais capazes de formar novas instituições. A maioria de
que o g overno imagina deter votaria o projeto em quinze minutos. Caso
contrário, melhor seria que todos renunciassem. Porque pretender que o governo
tem maioria quando não tem, impõe, no mínimo, uma nova maioria. Ou um novo
governo…
Por Carlos Chagas
Fonte: Mural de Riacho da Cruz
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